Jantar, bela chuva

Estás aqui conosco esta noite, bela, saiba ou não, permita-nos ou não. Sabe, a chuva aborroce-me, como você bem pôde reparar nos anos anteriores a este, porém, rende-me a escrita. Decerto algo que nunca vivi mas gostaria, para que, ao final da vida, tal história pudesse eu contar. Por ora, as letras precipitam sobre o papel lentamente. Posso concluir assim que escreverei por tempo grande.
A tarde trouxe-me através da janela o início do aroma de Dama-da-Noite, o qual você sabia tão bem imitar. Atrevo-me até mesmo a dizer que a planta - pobre essa! - compete contigo e perde. Deve ser a combinação com tua pele branca, seu leite que corre pelas veias.
Gosto eu de pensar, engulo com veracidade o sorriso que esbanjo agora ao recordar como já bebi desse leite. Ó, bela, bebida melhor não haverá de existir! Nem que os deuses desçam do Olimpo para combinar o que sabem de melhor num bebível. Por hoje, sinto mais tua falta do que penso ter sentido por minha vida comprimida. Talvez um comprimido depois que me retirar da mesa fará-me algum bem.
As pessoas aqui riem muito, como se estivessem vendo um espetáculo no teatro nobre do centro. E o engraçado sou eu. Pois nem cova me surge na bocheca esquerda. À propósito, é tua música a que aqui toca, tocando-me o íntimo à ponto de sentir-me nu. Desgraçadamente, sou duas vezes o engraçado.
Então é isso: pizza e vinho. Há na massa de tomate alguma erva a qual não consigo reconhecer, mas o cheiro é barato. Nada como o seu. Há também um vinho barato, parece-me mais grosélia. Nunca chegaria a ser leite. Bebo-o aos goles longos sem apreciar o que talvez tenha a dizer. Não me importo agora com palavra alguma que não seja a sua.
Bela, como queria teu colo sobre o meu, como! As circunstâncias tão idióticas para a sua partida-me deixaram com pedras na mão. Mas não pude atirá-las. Nem contra mim mesmo; minha pateticidade me assombra o sono até hoje.
Se eu pensar bem, o assombro vem de ti. Mas não pensemos em fantasma, pois sua música passa a chegar ao fim e é como se minha vida também estivesse nos instantes derradeiros. Sei que de alguma forma está, pois estou a traí-la ao beber este vinho tinto, ao cheirar esta pizza comum. O combinado deixa-me triste ao ponto de sentir o peito literalmente apertar. Como sou infeliz nesse momento!
Saio da mesa, sem dar-me ao trabalho de pedir licença aos convidados. Deito-me no quarto ao lado. Eles estranham e eu finjo não notar, pareço tão mal educado! Ó, bela, agora sinto dores de cabeça. Com certeza, o vinho tem culpa. Sinto ter dormido com uma mulher das ruas e agora pago pela recuperação das doenças.
Não aguento mais as dores na cabeça. Não me assombre os sonhos agora, é tudo o que te peço. O céu de fim de tarde preteja-se com a chuva forte que chega. Peço à Deus que seus gritos como trovões não me acordem durante o sono.
Boa noite, bela.

2 escafandrinhos disseram algo:

Gabriela Castanhari disse...

texto lindo,parbéns...
seguindo...

meu blog:http://cravoecanelagabriela.blogspot.com/

Paola Ferreira disse...

Amei o post! Tem um selo pra você no meu blog :D

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Tenho um blog no qual publico coisas que não consigo dizer neste aqui, Leticia Poesia, que é mais movimentado. Só disponibilizo para pessoas que não conheço, para meus amigos blogueiros. Se quiser ler, é só me mandar comentário com e-mail que eu coloco na lista de leitores.

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