Desapego inicial

Meus sonhos eu não gosto de contar. Não que ouvidos me roubem, mas não os compreendem por isso os rebaixam. Se eu pudesse escolher algo para mudar no homem, seria o espírito. Há tanta maldade por trás das mãos, tanto sentimento bom transformado em fúria por um trauma de infância. Eu gosto de pegar no colo, fazer sorrir e saber que os dentes continuarão sorrindo por dentro da boca.

Debaixo da chuva, na parte gramada que separa as duas mãos da avenida, havia um pobre deitado. Dormindo, chorando, morrendo, quem saberia. Mas estava tão frio! Então eu senti muita dó daquilo, queria que o carro parasse, queria pegá-lo e levá-lo para um hospital, um abrigo, uma coisa mais aconchegante do que aquilo. Mas apenas deixei os olhos fazerem seu papel de chuva também.

Quero casa no campo, com ar puro, com amoreiras, com cadeira de balanço, com música alta, com estrela cadente. Ao sair da porta principal, haverá um terraço com cerca. E na frente da cerca eu estarei, e ele estará me abraçando. E a lua irá sorrir e seu sorriso será chuva quente sobre nós. O calor será suficiente para desprezar os lençóis.

No meu campo não tem violência, não tem grito, — só de risada e brincadeira — não tem mensagem subliminar, não tem falsidade. Lá meus amigos podem passar os dias e o sol não passará. Lá o homem da rua pode dormir sem se preocupar com a refeição de amanhã e os pássaros poderão cantar sem se prender ao horário.

Eu disse esprírito mas agora apego-me à casa. Não faz sentido. Faz para mim, acho.

Meu campo é a fuga da maldade, é onde me escondo quando quero chorar, é onde respiro quando falta o ar. Ar esse que está acabando, que consome-se por outros, sem culpa de estar sendo desabrigado. Pergunto-me se tudo isso foi premeditado, como uma rodada de 21.

Dinheiro. Dinheiro não é nada perto do que se pode sentir. E tenho dito muito! Dinheiro não vai fazer seus pés andarem ao sair da cama de manhã, dinheiro não irá te consolar no travesseiro, dinheiro não apertará sua mão. Dinheiro só quer existir, enquanto o espírito quer lhe fazer sentir. Sentir o que, então? Resposta previsível: amor. Resposta minha: sentir algo que você não consegue explicar mas que muito provavelmente será amor.

Acorda-se todos os dias e vai-se para o trabalho. Então se trabalha e ganha uma quantia menor do que vale o suor. Então sente-se mal por não ter vida familiar e social, mas há dinheiro para mimos.

Eu desisto de tentar explicar. Os dias estão me mostrando que estou certa.

11 escafandrinhos disseram algo:

Franck disse...

Letícia, tbém quero uma casa no campo: cabras pastando, meus discos, meus livros, discos e amigos e nada mais... Por isso, ando lendo e tentando praticar a 'simplicidade voluntária', já ouviu falar?
uma boa semana! Um beijo e até berve!

Winny Trindade disse...

Temos muito em comum.

Abraço meu, doce Letícia.

Larissa disse...

Confesso que o texto não fez sentido pra mim. O que importa, é que fez pra você. Mas me encantei com as suas palavras, como sempre.
E não se preocupe quanto ao sumiço. Sei que não é nada fácil socializar vida e internet. rs

Um beijo.

Anônimo disse...

Sua "casa" existe!

Eu acredito num abrigo tbm... não pra agora, nem pra todos... bom seria se eu conseguisse para todos. Mas acho nobre vc pensar nisso deste jeito, e mais nobre ainda pensar para todas as pessoas. Não "nobre" que nem conhecemos... mas nobre no sentido real e espiritual da palavra!

Desejo sorte na sua busca =*

Jeniffer Yara disse...

Concerteza você está certa,o dinheiro não traz nada além do que mimos e felicidade isntantânea superficial.

Quero ter um campo igual ao seu,onde as pessoas possam ser felizes,onde não há pobreza e falsidades como você escreveu...Quem dera um dia esse campo existir,e não só o seu,mas o de várias pessoas que também desejam um campo,uma casa como essa.

Beijos

Caleidoscópio de Idéias disse...

O que escrevestes foi a mais pura e cruel verdade. As pessoas só querem possuir e não mais sentir. O bem material é bem melhor do que o bem espiritual...
beijos.

Emanuella Casado disse...

lindão como sempre.
é só dá tempo, como vc msm disse, o tempo vai mostrar que vc está certa!
:*

Sara Castro disse...

Humanidade, é seu nome.
Mas oras, que se dane o sistema que nos enlouquece não é mesmo? Mas embora escorramos as letras, murmuremos, nada mudará...
Mas áh, o espírito... Só isso, só isso diferencia. E espero que o seu, continue travando essas revoltas, convicções, concepções.

Os mimos, são tão necessários, embora possa parecer extrema burrice minha, tenho visto nesses dias, que o supérfluo me traz felicidade, não ela toda, mas boa parte... E sem eles, vai ficando tudo difícil... (coisa do sistema)

bjo letícia.

Bianca disse...

Leticia, amr.

Ahh. textos lindos para sempre né.

Assim, normalmente em dias de chuva, a gente fica mais pensativo e querendo melhorar o mundo. E a cada dia que passa, só nós sabemos a certeza do nosso pernsamentos.

Adorei, querida.

Rodolpho Padovani disse...

Quero passar um tempo nessa casa de campo para ver se distraio a cabeça de mundo tão caótico, capitalista e egoísta.
Quantas vezes realmente a gente vê alguém em necessidade e simplesmente continua andando e pensa "alguém vai ajudá-lo", é triste, mas é a realidade, seria hipocrisia e mentira se eu dissesse que ajudei tantos quanto deveria ter ajudado... mas a gente tem que seguir em frente, fazendo o que é possível e, é claro, fazendo o bem, porque de maldade o mundo já está cheio.

Bjs e obrigado por ter passado lá no blog de contos, fiquei feliz com seu comentário.

Ariana Coimbra disse...

Me encantei com o texto, todo sentimento descrito numa maneira muito gostosa de ler,
Vc fez a leitura ser leve e doce de ler.

Beijos

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Tenho um blog no qual publico coisas que não consigo dizer neste aqui, Leticia Poesia, que é mais movimentado. Só disponibilizo para pessoas que não conheço, para meus amigos blogueiros. Se quiser ler, é só me mandar comentário com e-mail que eu coloco na lista de leitores.

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