Durante amoras
Do alto da varanda avistou o campo.
—Parece até um estepe enorme! — não parecia não — Que linda aquela árvore no meio do nada! — era mesmo. Seria ótimo poder levar frutas, uma toalha e um livro para baixo dela ler comendo.
Os olhos imaginavam a toalha xadrez em branco e rosa claro, a maçã vermelha, quase que vinho e por dentro amarela quase gema. O livro de capa dura com metal na capa, entalhada no couro do revestimento: "Dom Casmurro".
A cabeça foi se levando até os pés do edifício onde ela estava.
E o espanto tomou a boca.
—Aquilo tudo é amora!? aqueles três pés com pontinhos pretos em volta?
—Hum, deve ser. — a mãe respondeu com metade da empolgação da menina.
—Alguém pega um balde!
E desceu até o gramado rezando para o elevador andar depressa, para a caminhada até as frutas ser curta, para haver ainda algumas pretas grudadas nos galhos.
Mas como havia. Três pés se transformaram numa plantação, cada folha servia como um tronco, jorrando perfume. Por vezes, apenas cócegas já rendiam uma ducha. Ela mirava o pote para pegar o maior número de gotas.
Começou então a inspiração.
Sentia-se Alice correndo atrás do buraco do País das Maravilhas. O sol lutava para iluminá-la, tamanha a sua importância debaixo das folhas. Desde criança a grama lhe chamava para perto, mas a vida de apartamento a puxava de volta. Agora estava livre, estava colhendo amoras.
Estica o braço, puxa a calça para cima, tira o sapato para sentir a explosão macia debaixo dos dedos. Caminha deliciando o suco que logo impregnará na sola do corpo, ouve o grito das negras chorando pelo esmagamento. Algumas choravam e atiravam pontinhos rosas para sujar o tornozelo da intrusa.
Começou a cantar: "Amora, amora, tique tique tique há. Amora há. Tique tique a."
—Shhhh! — as amoras gritaram. — Você desafina demais!
—Está bem, a casa é de vocês. Perdão pela falta de educação.
Então pegou o pote e foi embora.
No caminhar até o elevador, sentiu os pés doerem. Eram espinhos em miniatura, lotavam a sola de todos os dedos.
—Rasguei o pé! — não tinha rasgado — Agora vou ter que enfaixar. — ia mesmo, eram pequenos espinhos. — E meu pé está preto. — estava.
Foi o preço que pagou pelo prazer da comida, a vaidade da inspiração, a matança das amoras já mortas.
E nem por isso ficou triste.
— Da próxima vez, venho com minha toalha, uma maçã e Dom Casmurro.
domingo, setembro 12, 2010
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Categorias:
crônica
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9 escafandrinhos disseram algo:
Lêeh, adorei!
da próx vez leve a tolha e dom casmurro ! : )
adorei, adorei, adorei mesmo!!!!!
*-*
entra no msn ... VAI VAI VAI
Intenso! Intenso!
Uma boa semana! Bjs*
Estou lendo o Machado.. esse mesmo livro. A Capitu me encanta e as "considerações" do Bentinho também.
Amoras... quantas vezes não desejei escrever sobre elas, mas me falta esse tato do "não visto". Crônicas maravilhosas encontro aqui, é por isso que volto.
Que conto mais meigo! Incrível!
=**
Amei *.* Minha vontade é ter uma casa com um belo jardim atrás dele,com árvores gigantes,onde eu posa sentar debaixo delas e ler,ou sei lá,apenas olhar para o céu azul,rs
Lindo conto *.* Acho até que viu escrever algo sobre isso,hehe
Beijos!
Muito bom o texto.
A imaginação corre solta, flui.
bjo
Que ela leve o livro, mas que colha amoras de novo, hehe... a gente pode fazer mais de uma coisa quando é permitido.
Gostei da sutileza do texto.
Bjs =)
Que ela leve o livro, mas que colha amoras de novo, hehe... a gente pode fazer mais de uma coisa quando é permitido.
Gostei da sutileza do texto.
Bjs =)
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