A despedida

Conto para Once Upon A Time. No rodapé, tem uma música que eu gostaria que escutassem enquanto leem. Não atrapalha o entendimento, pelo contrário: complementa, pois eu escrevi ouvindo essa música repetidamente. Obrigada, Di, por me passar e me inspirar pra criar esse conto que acho que foi um dos melhores que já escrevi. Obrigada pelo apoio dos meus colegas blogueiros, um beijo.
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Sara deitava sobre a última cama que teria. A respiração era empoeirada, mesmo a casa sendo no campo. Já tinha tomado os antibióticos rotineiros, o chá verde, e também já tinha dado o beijo na bochecha de Kendy como sempre fazia antes da filha partir para a escola. O ar que entrava na velha era cada vez mais pesado. Praguejou a vida, depois se levantou, de forma que as pernas ficavam parcialmente na cama, com os pés no chão. Seu semblante era sério, seu coração batia preguiçoso.
Pegou a caneca vazia de chá e caminhou com chumbo nos pés até a cozinha. A caneca caiu pelos dedos e se chocou no chão do corredor. Xingou novamente, e deixou os cacos no tapete, ainda indo à cozinha. As pantufas exploraram o ladrilho preto e branco e voaram até a janela. De lá, Sara podia ver a filha deixando a mochila sobre a grama para apanhar seus arbustos. Todos os dias a garota botava os músculos do braço para trabalharem em prol da destruição do pequeno mato. Sara não sabia que fim tinha aquele pequeno verde que lotava as mãos da filha, mas também não se importava.
Kendy olhou para a janela através da qual estava sendo observada. Acenou para a mãe, mas os olhos da velha nada disseram. A menina voltou a pôr a mochila nas costas a correu para não perder o ônibus. "Quantos anos tem sua filha, Sara?" A caduca pensou alto. "Deve ter 12..." Disse voltando as costas para o vidro. Passava o olhar por toda a cozinha. A chaleira velha, o bule de prata, os pratos de louça. "É, minha velha", A mulher falou consigo mesma, "Você não tem mais aquele calor saindo da alma."
Não tinha mesmo. Os eram dias monótonos, os pensamentos também. Mas por um segundo, tudo de repente voltou à tona.
Passava-se como filme embutido nos olhos a vida da velha nela mesma. Ela e Antônio girando, as mãos juntas, os cabelos do falecido marido voando para trás, o redor girando num horizonte sem detalhes. O sorriso branco do morto, o mesmo sorriso de sempre: grande, claro, quente. Aquela boca que há tanto tempo não beijava, aquelas mãos que faziam tudo tão bem. Não era só sexo, sexo na verdade nunca tinha tanta importância.
O que gostava mesmo era de vê-lo se mexer. Andar para cá, para lá. As mãos dele se encaixavam perfeitamente na cintura dela, os bailes tocavam sanfona enquanto os casais dançavam. Ela ria, céus! ria muito! E depois a noite os convidava para uma quermesse ao lado da fazenda. Os vagalumes dançavam no rosto de Antônio e depois beijavam Sara. Kendy ainda não estava nos planos.
Nunca esteve, pobre garota dos olhos pretos, cabelos dourados. Nasceu no último ato de amor. O velho enfartou na cama mesmo, a filha ficou como lembrança. Presente de recordação que Sara rejeitava. Preferia ainda ter o velho do que ter a menina; maldita vida. O coração se fechou em cinza, a alma se corroeu em berros, que para qualquer um soariam baixos. Era o máximo que a caduca conseguia vomitar: um grito fraco. Para ela, era o limite.
Largou as pantufas do pé e voltou descalça para o quarto. Os passos eram ainda mais lentos, um por um, vagarosos. Chão frio, chão rude. Quando sentiu o tapete, aliviou-se. Para depois xingar pela terceira vez. Os cacos da caneca lhe furavam a pele fina, mas ela continuava pisando devagar. O filme estava quase acabando em sua cabeça. Três, dois, um, Fim.
Deitou-se sobre a cama. O ar do peito era negro. Respirava devagar, respirava devagar. Não havia acenado para Kendy no campo. Remorso. Não havia conseguido salvar Antônio do enfarto. Remorso. Conseguiria se despedir de si própria? O ar era pesado, empoeirado, o grito não saia mais da garganta. Os pés sangravam, o quarto era frio, o filme já havia terminado e...
Ela fechou os olhos em sua última cama.

Download da música aqui.

23 escafandrinhos disseram algo:

Sara Castro disse...

Me lembrou tanto os contos da Clarice .
sINGELEZA e singularidade!
Meus parabéns outra vez !

Monique Premazzi disse...

Nossa amiga, ficou perfeito! A música embalou perfeitamente o texto. Ficou demais *-* Mesmo que eu não goste de músicas instrumentais, e prefira rock pesado, metal ou até mesmo pop ao sol gritante de Justin Bieber. Ficou perfeito!

Lindo.
xx

Jeniffer Yara disse...

Que triste!Uma vida assim,morrer com remorso,mas muito bem escrito,concerteza! Espero que ganhe *.* E li escutando a música,muito boa *.* Não atrapalhou mesmo a leitura.

Bjs!

Caleidoscópio de Idéias disse...

Eras, é incrível como a música realmente se encaixa na história, e que história, muito bonita, retratastes bem essa morbidez dos último momentos, triste, muito triste, mas retratado com uma beleza incrivel. beijos.

Thais Cristina, disse...

Amiga - posso te chamar assim?- eu acho que a cada vez mais você evolui a sua escrita, passa uma emoção nos contos que me deixa aflita esperando o próximo.
E posso dizer que, sem dúvidas, esse foi o meu preferido até agora.
Eu adoro ler aqui, você sabe, e toda vez me surpreendo com sua forma singela de fazer as palavras fluírem na tela.
Muito bom o texto, é só o que eu posso dizer.

Bjos :)

Patrícia Alves disse...

Não consegui escutar a música por motivo de força maior ... rs Tô sem caixa de som aqui. Mas mesmo assim, consegui sentir a emoção do texto, triste, profundo, lindo. Parabéns!
bjs =)

Joy disse...

Eu só consigo pensar na meninaa!!! ... Kendy ... (*o comentario eh soh pra vc saber que li =p)
detalhes pergunte a parte!

Anônimo disse...

Eu achei o texto bem triste, mas lindo. Todas as emoções ficaram bem claras e adoro isso *-* A música se encaixou perfeitamente (:

Nossa, eu sou bem calma. Não gosto de briga, mas quando se trata do twilight eu PIIIIIIIIIIIRO AUSHAUSHASUAHSUASHAS' x;

Obrigada pelo comentario, pensei que ninguem ia comentar x;
beijos

- disse...

Ah, o texto ficou lindo Leeeti *-* E a música também, se encaixou perfeitamente no texto. AMEI!
beijos.

Jaqueline Jesus disse...

Li o texto no embalo da música. Ficou muuito bom.
É uma pena que alumas pessoas passem a vida se lamentando pelas coisas e pessoas que não tiveram ao invés de curtir e aproveitar as que tem ao lado ;s
Pobre dessa mulher...sua única companhia era o remorso ;/

Beijoos Bia:*

Jaqueline Jesus disse...

descuuulpa..escrevi seu nome errado ;s
foi mal Letícia x)
é que são tantos blogs e tantos nomes que eu gravo, rs. Mas eu adorei msm seu texto, beijos.

Taynara Ambrósio disse...

Ai, o texto, ao som desse som, pura perfeição.
O texto está realmente incrível, poxa, você coloca uma emoção tremenda nos textos, eu amo isso.

bjs linda :*

mari ebert disse...

Fiquei boquiaberta, não sei o que dizer meeeeesmo! O conto está muito bom, bem trágico, mas eu não tenho nada contra contos trágicos. Você escreve muito bem! Adorei, vai ficar na minha mente o dia inteiro, bjão!

Sara Castro disse...

*--*
em minha homenagem !!!?
QUE FELIZ, cara! RSRS .

que bom qe gosta dele! *-*


Só pra constar (mais uma vez) :
adoro aqui, e seus textos são sempre ÓTIMOS! . . .
vc sabe combinar muito bem a IMAGINAÇÃO com as palavras *-*
Bj .

Brunno Lopez disse...

Com a canção, o texto ficou soberbo.

Ótima forma de colocar as palavras, eu adorei tudo.

Principalmente o final.

Ana Carolina disse...

Que encanto de texto!
Adorei...

beiijo,
*.*

Thaíse Lima disse...

Sem dúvida o melhor conto que eu li, essa musica é uma doçura já baixei ela para mim.
Sabe, eu gosto de contos que não terminam com final feliz, isso é mais real, mais proximo de nós. Já percebeu que eu não gosto muito de contos de fadas né?
Beijoos enooormes Leh!

Naty Araújo disse...

Boa sorte por lá, heim?
Muito bom seu texto... li enquanto ouvia a música.
Deu um clima show por aqui.

Amei.
bjos

mari ebert disse...

Oi! Valeu a visita, e o elogio! Qd não der mais pra escrever no Cbox, é só postar a continuação com mais 1 comentário! Eu vou postar a continuação logo, logo, só quero q bastante pesssoinhas leiam rsrs, bjão!

Bianca Ribas disse...

Le, desculpa a demora a voltar aqui!

Que harmonioso ouvir o som ao ler o conto, que alías foi muito bem escrito.

Nossa, merece vencer! Sara, coitada de Sara. e Kendy, coitadinha! Quase chorei aqui do outro lado!

Bjs amr e só quero dar um aviso:
Flor, o blog mudou e agora está neste endereço:http://sorvetebia.blogspot.com/ . Aguardo sua visita!

Letícia disse...

Nossa.Essa música dá um clima e tanto!
Nos leva a imaginar mais as cenas e tudo mais.Muito bom o texto!
Boa sorte no projeto!
Beijos ;***

desneurando13.blogspot.com

Chris disse...

Escutando a música fiquei triste ao ler. Passa um ar de desamparo e muita magoa.

Cris . disse...

Nossa!
Fiquei sem palavras, muiito bom esse conto, vc cuidou dod minimos detalhes, e amusica ? cara o que é isso ? muitoo bom mesmo,
sem dúvidas o melhor texto que li esses ultimos dias,
Parabens Lety.

Bjs

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Tenho um blog no qual publico coisas que não consigo dizer neste aqui, Leticia Poesia, que é mais movimentado. Só disponibilizo para pessoas que não conheço, para meus amigos blogueiros. Se quiser ler, é só me mandar comentário com e-mail que eu coloco na lista de leitores.

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