Clarabóia

------------------- Adapatado Para Bloínques

Durante aqueles sonhos que me perturbavam durante a garoa fora da janela, eu me entretia de olhos fechados com diálogos entre mim mesma e eu. Sonâmbula, sentada sobre a cama, começava a falar enrolado, como um rádio chiando, até que se encontrasse um ponto no botão em que a voz saísse estável e clara: "Vinte e dois de Janeiro, à cinco metros de distância da clarabóia, por onde vejo os pingos fluírem pelo vidro."
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Ajeitei-me na cama. O diário em baixo da mão, a ideia em baixo da chuva. Comecei a escrever ao invés de falar, porque falar estava começando a atrapalhar meu pensamento. Escrevi assim:
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"Há cinco dias que a garoa não pára. Estava conversando com meu melhor amigo, mim mesma, e nós chegamos à conclusão de que não importa o quanto chova, sempre irá chover novamente. Mesmo que demore dois anos, mesmo que demore duas horas: irá chover novamente. Começamos, então, a comparar a paixão com a chuva. Às vezes vem mansa e se instala numa tempestade que acaba em dois minutos. Às vezes vem braba e termina numa garoa que nem se percebe, nem se sente. Às vezes vem equilibrada e termina com cheiro de Paraíso. Às vezes vem equilibrada e termina num tormenta sem fim, alagando tudo ao redor, deixando cicatrizes nas áureas já antes debilitadas."
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Ajeitei-me na cama. Tentei fazer com que tudo ganhasse sentido, mas o barulho da água na clarabóia soava como uma harpa desafinada sem melodia, me impedindo de pensar direito. O diário de baixo da caneta. A ideia de baixo de mundo. Puxei-a para minha cabeça e voltei e escrever:
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"Já vi, porém, pessoas que nunca sentiram a chuva. Já vi gente que nunca sentiu o seu cheiro e até mesmo gente com medo dela. Mas aqui, sentada sobre a cama, lembrando da conversa que tive comigo mesma, percebi que deixei de falar o mais importante. Estava tentando achar alguma ocasião em que a paixão nunca parasse, e que se mantivesse constante. Na verdade, eu achei. Estou vivendo-a, para ser sincera. Já presenciei chuvas intensas que deixaram chagas, já passei por chuviscos chatos que demoraram para acabar, mas essa garoa que escorre pelo vidro é a mais aconchegante que já vi. Não cessa, não aumenta, não diminui. Cai ao seu próprio ritmo sem se perguntar o que é sensato ou o que se espera dela. Cai, apenas. Purifica e perfuma, como toda paixão deve ser.
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Caso pare, saberei então: essa garoa terá sido o amor."
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Começou a chover sobre meu diário. Ao contrário do que pensei, não era a água pingando da clarabóia. Eram minhas lágrimas, de tanto que desejava que a garoa parasse. Ainda sonâmbula, deitei a cabeça sobre o travesseiro, e deixei a noite me abraçar.
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Ainda vinte e dois de Janeiro. Acordei, e dessa vez de olhos abertos. Levantei e vi sobre o criado mudo um envelope. "Para quem é a carta?", me perguntei. Destinário "Mim mesma", remetente "Eu".
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Ohei para cima, a clarabóia estava aberta e o cheiro que preenchia o quarto de fora para dentro era o de Paraíso.
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Sentei sobre a cama, inspirei e abri a carta.

2 escafandrinhos disseram algo:

Bianca Ribas disse...

Upppp

Joy disse...

Isso ta cada vez melhor ;]

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