Para onde ir, ainda não sabemos

Paulita olhou para o prato da amiga e percebeu que estava comendo rápido demais. Já estava quase terminando e a companheira mal começara a comer.
E o pior é que ela sabia o porquê de estar tão adiantada: lotava a boca com o máximo de comida que podia para não dar brexa para perguntas. Podia estar causando má impressão, mas o impulso de fugir daquele assunto desconcertante falava mais alto. Não queria falar naquilo, mas Carol insistia, e falava como se fosse normal, como se Paulita já tivesse esquecido.
- Fiquei sabendo que ele andou com umas modas de cantar em restaurante agora... Leva violão, acompanha com a voz e traz consigo sua banda - Carol dizia com o garfo saltitando pelo prato, pouco intusiasmada com o que estava em cima dele.
- De qualquer jeito, Carol, não ligo, já disse. Acabou, entendeu?
Dessa vez, a resposta saira quase que revoltada. Paulita, como sempre, se exaltara e depois queria se redimir.
- Olha... desculpa. Não é nada pessoal. Eu só não gosto de tocar no assunto de novo e de novo. Me faz sentir mal. Se você não se importa, vou pedir minha sobremesa.
A amiga apenas desviou o olhar do prato para seu rosto e depois continuou a comer desinteressada. O horário já estava avançando e Paulita usou a sobremesa tanto para apressar a amiga como para mudar de assunto.
Então, minutos antes de se levantarem para irem embora, chegou a banda. Hoje é sábado? Paulita se perguntava. O único dia que seu restaurante preferido recebia bandas amadoras era sábado. Então vou querer assistir, ela disse, primeiro em pensamento, e depois em voz alta, puxando Carol para a mesa de novo.
- Eles tem cara de que são bons? - Paulita perguntou. Estava na cadeira oposta ao palco improvisado.
Mas tudo que teve como resposta foi um olhar alucinado e assustador de Carol na direção da banda. Os olhos verdes da menina se esbugalhavam como nunca, e Paulita se assustou. Olhou para trás e viu o vocalista anunciar a música para os clientes. Ele dizia algo de "somos novos por aqui" e "começaremos com uma música para minha pequena 'P'".
Depois disso Paulita não conseguiu ouvir mais nada. Estava beirando um desmaio quando a batistaca da música começou, pois quem estava a cantando era Rick. O Rick. O cara que ela tinha rejeitado por um mal entendido que acabou pegando mal para ele, e quando ela quis se desculpar, "era tarde demais".
Estava tudo começando a ficar bem, ela já nem pensava nele depois de tanto tempo. Mas justo quando se desiste de alcancar a maçã, ela cai de madura em sua cabeça.
- Meu Deus, ele está aqui e está cantando para mim. Você viu o que ele disse? Ele sempre me chava de "Pequena 'P'"!
Mas de novo, só recebeu os olhos verdes esbugalhados.
E depois, algo aconteceu. Paulita se lembrava apenas de alguns ruídos e seu choque contra o chão. Abriu os olhos devagar e sentiu o lençol macio ao redor de seu corpo. Deslizou-o para o lado enquanto tentava se sentar, mas uma mão contra seu peito a impediu.
- Na-na-não, mocinha, pode se deitar.
Paulita reconheceu a voz da mãe e isso a fez se sentir mais confortável. Onde estava? Por que seu pai estava lá também? Não se lembrava de nada exceto a queda seguida do barulho. Depois de responderem todas as suas perguntas, se sentiu feliz por estar bem - ela havia trombado com um garçom cheio de pratos enquanto corria para o banheiro do restaurante.
Então uma enfermeira entrou no quarto e lhe mostrou o que havia com ela na hora do "acidente": suas roupas, bolsa com documentos e um rascunho de papel em suas mãos, que com letras não reconhecidas por ela dizia:

"Para onde ir, ainda não sabemos,
Mas iremos descobir.
Pequena P, escute meu apelo
E nunca mais de deixe ir"

A mão tremia de euforia ao terminar as últimas letras, e Paulita guardou o papel imediatamente na bolsa que a enfermeira segurava. Então refêz a expressão para que esta voltasse ao normal, e disse que se sentia bem - que nunca se sentira melhor. Deram-lhe alta e Paulita podia finalmente ir para casa.
E quando lá chegou, não havia hesitações: correu para o quarto e procurou na lista de telefone o número de Ricardo, rezando para que não houvesse mudado, e para que ela finalmente pudesse falar com ele, e vê-lo num dia próximo, para que tudo voltasse ao normal.
Pulou quando achou o número e discou-o freneticamente. Depois da linha, uma voz femina estridente atendeu o celular.
- Ele está tomando banho. Quem é que tá falando?
- Ah, tudo bem, - Disse Paulita decepcionada mas com voz firme depois do protocolo de atender o telefone - eu ligo mais tarde.
- Eu sou a namorada dele, pode deixar re--
A voz irritante foi afastada do telefone e uma familiar e reconfortante tomou seu lugar. Paulita quase derreteu-se ao ouví-la mas conseguiu esconder, já que ele não via sua expressão. Depois, novamente, o protocolo de apresentações.
- Paulita? A Pequena P? Não acredito! Como você está?
- Eu tô bem, Rick, estou bem. Só liguei para dizer que estava no restaurante ontem e ouvi a música que você fez pra mim, "Pequena P", e que gostei da letra. Mas parece que você está com alguém, não tem problema.
- "Pequena P"? Mas eu não tenho nenhuma música com esse nome. A única que toquei ontem e que é parecida com esta é "Pequena Fer", de Fernanda, minha namorada que estava com você no telefone agorinha. Mas por que você não veio falar comigo? Faz tempo que a gente não se fala!
Paulita não sabia exatamente o que sentir ou dizer. Estava assustada com a simpaticidade de garoto depois do jeito que eles haviam se falado da última vez, onde os gritos predominavam. Também não sabia como responder ao fato de ter se confundido com uma garota que parecia ser o seu oposto. Suava frio enquanto se esforçava para encontrar uma sequência de palavras que mudasse o assunto de constangedor para normal. Mas não saia nada daquela boca trêmula, até que passou tempo demais para responder, e o garoto começou a chamar seu nome, para ver se ainda estava na linha.
Mas Paulita não conseguia responder. Preferiu fingir que havia caído a linha mesmo, e permaneceu em silêncio até que ele desligasse.
Depois deixou o telefone cair de sua mãos até que ela mesma caiu em sua cama.
Repetia pela milésima vez que aquele garoto era imprevisível, e que não devia ter se metido naquilo de novo. E essa história de "Pequena"? Será que para todas as namoradas ele colocava a palavra seguida de um apelido, ou inicial? Francamente, quantos anos ele tinha?
Na verdade, quanto anos ela tinha, para acreditar que tudo aquilo pudesse voltar ao normal, como se ela fosse uma princesa num conto de fadas? Isso é vida real, sua idiota, murmurava com sobrancelha fechada.
Mas não ia deixar mais uma lágrima sequer escorrer daqueles olhos. Vestiu seu melhor vestido no dia seguinte e foi almoçar com Carol no restaurante de sempre. A tristeza, até então, se transformara em ódio, e não só de Rick, em específico, mas de todos os meninos daquele mundo.
Elas conversavam sobre o dia anterior, e no meio da conversa Carol explicou que tinha escrito o refrão num guardanapo para que ela pudesse ler depois, porque Paulita estava ficando pálida demais e parecia que ia vomitar a qualquer momento.
- Então, enquanto eu escrevia, você se levantou correndo e foi que nem uma louca para o banheiro. E depois... bem... depois você já sabe o que aconteceu.
Ela sabia. Mas dessa vez, quem enfiava comida na boca como uma esfomeada era Carol, provavelmente por vergonha de ter escrito "P" ao invés de "Fer".
Mas também, Paulita não podia dizer nada. Ela que havia gritado que era em sua homenagem, e os nomes realmente se pareciam. Então olharam uma para a outra e riram, como cúmplices do crime, e Paulita disse, quase que misteriosamente sexy:
- Se ele ainda não sabe pra onde ir com a "Pequena Der", eu lhe direi que há um cabarezinho bem a cara deles no bairro seguinte.
E, novamente, riram. Mas dessa vez, comiam sossegadas, como num último adeus de ambas para aquela pedra no caminho, que chamavam de passado.


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Era para eu fugir do romance, mas só li que "era pra" fazer isso depois que vi no okrut, porque por e-mail não falaram nada. E eu fiz esse texto gigantesco que tenho quase certeza que nem os caras que avaliam vão ler.

Mas tudo bem.

Beijinhos :*

1 escafandrinhos disseram algo:

Graziely Marchese disse...

Nossa, seu texto ficou otimo! Muito criativo.
Mereceu destaque no OUAT.
Parabéns...
Beijokas =)

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