História - "oficial"

Suas mãos deslizam suavamente por meus cabelos, e ele os enrola em seus dedos, formando cachos temporários. Depois, vai para meus ombros, costas, e cintura. Prefere deixá-las por lá mesmo, pois não gosta da idéia de relacionamentos intensos, como os que eu costumo ter.

Na verdade, todos os garotos com os quais tive laços eram deuses do sex apeal, com seus músculos definidos e cabelos hollywoodianos. Diogo não era assim. Nem de longe.

Ele tinha cabelos loiros claríssimos, levemente enrolados, e os deixava na altura das sobrancelhas. O restante cobria sua nuca. Tinha pele clara, e sardas. Eu adorava sardas. Era uma das coisas que eu mais gostava nele, à parte de seus olhos cinzas.

"O sinal vai tocar, e se não saírmos logo, alguém vai vir tomar nota e nos castigar de alguma forma."

"Eu sei disso. Mas por que precisa ser agora? Estava começando a ficar bom..." Eu lhe respondi, pois era exatamente o que se passava pela miha cabeça.

Meus amigos diziam que eu não deveria sair com um garoto que não fosse do grupo dos descolados. Minha escola era dividida entre grupos que eram organizados de modo hierárquico, como em filmes dos Estados Unidos.

Tinha o grupo do teatro, loucos que gritavam e dançavam na primeira oportunidade que tivessem. Tinha os hippies, que escutavam reggae no iPod a aula toda, pois seus fones de ouvido se emaranhavam em dreads de modo que nenhum professor fosse capaz de identificá-los. Tinha também os nerds de sempre, as barraqueiras de sempre, e os "descolados" de sempre.

Como eu odiava essa gente. Os meninos eram nojentos e arrogantes, e as meninas gritavam por qualquer coisa. "Eu não acredito que seu pais não te deixaram ir à praia com a gente!" Elas diziam com sotaque irritante e voz fina. Eu evitava convivência com os rotulados, me sentia melhor quando estava sozinha.

O meu grupo, à propósito, não existia. Eu era como a classe média da socidade. Por exemplo, se você é rico, te chamam de playboy. Se você é pobre, te chamam de favelado, e se você se econtra no meio termo, então quase nunca te rotulam. Era como me tratavam. Eu tinha algumas amigas espalhadas pelas "panelinhas", mas mesmo assim não pertencia à nenhuma delas, e eu era muito grata por isso.

Meu mundo, naquele momento, era Diogo. Nós não nos conhecíamos muito bem ainda, estavamos "juntos" - digo entre aspas pois não sei se isso se chama rolo, namoro ou lance - por umas sete semanas, mas eu estava disposta à estender esse período um pouco mais. Eu sentia, de alguma forma, que nós tínhamos uma ligação.

"Tudo bem, agora o sinal tocou de verdade." Ele disse. Nós nos despedimos e eu fui para minhas aulas de química, enquanto ele seguia para alguma sala no corredor de humanas. Eu desejava poder seguir seus passos, mas os professores me marcavam, e qualquer deslize virava advertência. Então tive que encontrar meus amigos fúteis, com suas piadas sem graça alguma, e aturá-los por mais uma hora. E isso se eu não tivesse o azar de estar numa aula dupla. Talvez até tripla.



Felizmente, era uma aula normal, e uma amiga minha, Ingrid, estava lá para me animar um pouco. A Sr. Narcisa falava e falava, mas a única coisa que eu assimilava era as mãos de Diogo pelos meus cabelos lisos em perfeita sintonia com seus lábios.

E pensar em ter algo com ele me fazia lembrar do que meus "amigos" me diziam. Todos me acusavam de roubar o novato, como se eu o tivesse comprado como um cachorro de estimação. "Ele não teve a chance nem de conhecer outras meninas, e você já está com ele." "Devem estar felizes, ambos são estranhos e combinam." "Para ela estar com ele, ele deve ser bom na cama."

Os comentários só pioravam daí para frente. Me chamavam de nomes ofensivos, mas aposto que os que faziam isso não teriam coragem para dizer pessoalmente, porque ninguém mexe comigo nessa escola. Devia ser porque eu sempre estava na minha, odiava encrenca.

Odiava o que diziam também, mas eu simplesmente ignorava aqueles comentários. Eu sabia que não era aquilo que diziam que era. Também diziam que eu era reservada porque tinha algum complexo de aceitação, ou era sombria. Em uma época, disseram até que eu praticava magia negra...

Francamente, essas pessoas não me conhecem nem um pouco. E é por isso que estou tão feliz com Diogo, parece que ele me entende. Nós nunca tivemos nenhuma conversa mais filosófica, nada do tipo, mas quando lhe conto sobre minha frustrações, ele me olha como se estivesse vivendo aquilo também, e eu me sinto bem, de alguma forma.

A voz aguda da Sr. Narcisa me arrastou para fora do meu mundo perfeito. "Então, senhorita Natasha," Eu odiava quando me chavam pelo sobrenome, ainda mais gritando daquele jeito. "Se adicionarmos cinco elétrons a um átomo de fósforo, qual será sua nova camada de valência, e sua configuração eletrônica ficará semelante à que elemento?"

Claro, era tudo do que e estava precisando. Camadas de valência. Eu estudava aquilo desde a oitava série, e já estava mais do que cansada de elétrons mais elétrons menos elétrons que dá elétrons. Porém, eu não conseguia acertar a resposta. A pergunta era ridiculamente fácil e todos já estavam me encarando. Não era difícil saber o que se passava por suas cabeças, e aquilo me irritava.

Eu pensava, mordia os lábios, coçava a cabeça, e tive que desistir. "Eu não estou conseguindo pensar direito, Sr Narcisa, desculpe-me." Aquilo me humilhou de tal forma que o resto da aula de arrastou vagarosamente. Ingrid estava sentada ao meu lado, mas surpresamente não fazia nada para me tranquilizar. Os alunos babacas ficavam me olhando, e bem baixinho, como num suspiro, eu ouvi dizerem de um canto da sala: "É o que acontece quando esses meninos chegam e roubam os corações das donzelas em um piscar de olhos..."

Aquilo já era desaforo. Eu senti em mim de repente uma vontade de socar aquele imbecil. O único problema era que eu não sabia quem era, exatamente, o imbecil. Então, só para dizer que tomei uma atitude, levantei, peguei meu material e saí daquela sala. Ingrid não me impediu de nada. Pelo contrário, ela continuou sentada, olhando fixamente para o quadro, como se nada estivesse acontecendo. Talvez ela não tivesse escutado o que tinham suspirado, mas não tentar me impedir de sair da sala foi realmente estranho. Ela sempre estava lá quando eu precisava, e esse comportamento estava um pouco confuso.

De qualquer forma, amontoei tudo dentro da mochila, e apertei o passo em direção à porta. Ninguem me impediu, nem mesmo a Sr. Narcisa. Ela estava tão velha, que talvez nem tivesse me escutado. Ou então, nem ligava para o que eu fizesse. Devia estar tão decepcionada comigo, porque eu sempre sabia a resposta para todas as perguntas, e de repente, havia lhe desapontado. Eu não tinha idéia do que havia acontecido comigo. Comecei a pensar que o imbecil da sala talvez estivesse certo, mas instantaneamente varri essa opção da lista. Se eu estava indo mal na escola, Diogo com certeza não teria ligação com isso.

Os corredores estavam vazios, já que não era troca de aula, nem intervalo. A única coisa que se movia pelas paredes era uma silhueta definida, que eu não reconhecia muito bem. Mas não me importava, minha cabeça estava no imbecil que eu tinha que descobrir quem era. Parte de mim se assustava com aquela raiva intensa e repentina, mas a outra parte calava a primeira e me fazia apertar o passo à encontro da porta de saída da escola.

Eu não pretendia voltar àquele lugar nunca mais.

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